segunda-feira, 17 de maio de 2010

Chega-te a mim..e deixa-te estar


Terminei à uns dias a leitura de um livro tão saboroso que não podia deixar de escrever aqui alguns textos que me marcaram. Sim, os livros também marcam a nossa vida, tal como as pessoas, ainda para mais quando os livros exprimem tantas ideias iguais às que pensamos, e simplificam-nas, como se encontrassemos alguém tão parecido como nós mesmos.
Chama-se "Chega-te a mim..e deixa-te estar" de Eduardo Sá.


Não é verdade que as pessoas da família marquem presença constante nos retratos. Nem que gostem de nós ou nos conheçam. Sempre que nos desconhecem ou se afligem quando estamos aflitos, ou se intrigam (como se lhes faltasse o mapa tesouro, para se chegarem), fazem-nos sentir sós e abandonado.E quando é assim, as pessoas da família podem tornar-se estranhos colados a nós. O que, naturalmente, só nos traz amargura, decepção, e até rancor.
Não é verdade que as pessoas da família nos ancorem sempre à vida e nos rasguem mais um horizonte no olhar…quando nos olham. Na verdade, as pessoas da família são também quem mais nos decepciona e desampara. E, por vezes, são quem nos ensina a aprender, deixando de perguntar porquê. Parecem ter perdido, por entre um comboio de gestos, os pequenos nadas que nos dão lume por dentro e nos iluminam. E são ainda elas que, de floco em floco, criam a “bola de neve” de coisas por dizer, que, um dia, como uma avalanche, há-de resvalar sobre o nosso coração.
Muitas vezes, as pessoas da família parecem crianças assustadas. Receiam dizer “gosto de ti”, para que isso não nos inebrie. E nem sempre colam o seu peito ao nosso, se aconchegam e nos abraçam, por nenhum outro motivo que não seja para que nos sintam junto a si. Muitas vezes, as pessoas da família falam fluentemente dos ossos, da gripe, da pedra no rim, mas raramente dos sonhos que as movem ou das convicções que lhes dão luz. Quando o fazem assim, é como se nos pedissem: “tem pena de mim!”, e quase nunca: “gosta de mim!”. “Ama-me!”, muito menos.
Na verdade, o mundo interior não divide as pessoas entre as estranhas e as de família. Mas entre os viajantes e os aventureiros, os arquitectos do nosso coração e os alquimistas.
Os viajantes e s aventureiros são pessoas que nos surpreendem de passagem. São como pirilampos que nos dão uma luz e, de seguida, nos desassombram com outra decepção.
Os arquitectos do nosso coração rasgam avenidas ou desvendam planaltos. E guiam-nos. Trazem consigo as revoluções tranquilas que acrescentam outros lugares aos pontos cardeais.
Os alquimistas desconcertam mais. Abrem as persianas da nossa alma, dão-lhe sol e transformam-nos para sempre. Como se não bastasse, os alquimistas percebem que aquilo que aquilo que distingue as “boas prendas” “dos presentes” são os laços. E nunca nos perguntam se estamos tristes ou aflitos. Antes nos dizem: “Chega-te a mime deixa-te estar”

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